Não precisa ter ponto

18/12/2017

Recentemente os TAEs da UFSC se encontraram em mais uma grande batalha: a ameaça da instalação do ponto eletrônico biométrico. O anacrônico aparelho ser instalado em uma universidade, em meio a uma política de contingenciamento, ao final do ano, sem nenhum debate com a comunidade universitária, em meio a um processo eleitoral para a reitoria e ao final de uma gestão que sempre se comprometeu em não adotar tal medida obrigou a categoria a se mobilizar e apresentar alternativas à proposta. Nesse processo a categoria descobriu que não é somente a autonomia universitária, mas nenhuma Lei, decreto ou mesmo decisão judicial impõe o ponto biométrico à instituição. 


Breves considerações sobre o controle de assiduidade na UFSC

O ponto eletrônico, como se convencionou chamar, é um aparelho de controle biométrico de frequência. Trata-se, portanto, de uma máquina que reconhece uma parte do corpo (neste caso é o indicador direito, mas há versões que reconhecem a íris, por exemplo). O equipamento é normalmente colocado próximo à entrada do local de trabalho e destina-se a registrar os horários de entrada e saída dos trabalhadores.

Aparelhos semelhantes já existiram na UFSC, nos anos de 1970, época de grande vigência deste tipo de controle na indústria. A experiência na UFSC sempre foi tratada como um grande fracasso, criando redes clientelistas e de favores que exigia de uns, enquanto abonava outros, quando ligados a grupos com acesso a cargos e recursos na instituição.

Com muito movimento os trabalhadores da universidade aboliram o ponto, até ser predominante na UFSC o chamado controle negativo de assiduidade. Esse mecanismo de controle de assiduidade trata-se da presunção da frequência de todos os trabalhadores que são considerados assíduos, a menos que a respectiva chefia informe à universidade sobre faltas e atrasos.

O controle negativo, apesar de bastante simples e econômico, também gerou muitos conflitos e fomentou redes clientelistas. Após anos de jornada de trabalho como moeda de troca, com TAEs com benesses por manterem vínculos com determinados grupos, as muitas denúncias contra a falta de transparência foi reunida em uma grande ação pública contra a universidade.

Simultaneamente o movimento dos TAEs também denunciou a rede de favores presente na instituição e passou a propor uma forma de controle de assiduidade que enfraquecesse os grupos de poder na instituição e possibilitasse aos TAEs uma jornada de trabalho isonômica. A proposta de 30h a todos naquele sentido apontava ao controle social de assiduidade como única possibilidade de defender as 30h com isonomia sem expor a categoria a eventuais moedas de troca.

A ação dos TAEs pelo controle social como alternativa à jornada de trabalho como moeda de troca, com 30h a todos, foi, entretanto, temporariamente derrotada e foi imposta a volta da folha-ponto.

Enquanto impunha a folha-ponto - que foi medida de grande assédio moral no trabalho, com chefias humilhando trabalhadores, fraudando documentos e atribuindo faltas absurdas - a mesma reitoria não se manifestava sobre as decisões judiciais contrárias à universidade e que apontavam à volta do ponto, agora biométrico, conforme ação civil pública.

A ação civil pública

Aberta em 2004, a ação civil pública movida pelo Ministério Público (MP) verificava, após auditorias, que a UFSC não possuía um efetivo controle de assiduidade de seu trabalhadores. Das auditorias, 97,2% foram realizadas no Hospital Universitário, à época ainda gerido pela UFSC. Em 2015, imediatamente após a greve das 30h - primeira greve interna da UFSC, em que somente a universidade entra em greve, sem um movimento nacional, e com pauta restrita a negociação exclusiva com a reitoria, ao invés da negociações com o governo federal - o MP apontava à ausência de controle da universidade, ao descontrole de assiduidade das folhas-ponto e à existência de muitos TAEs com jornadas de trabalho incompatíveis (até 120h semanais) e com propriedade de empresas.

Diante desses elementos, o MP reuniu uma série de denúncias e encaminhou:

a) imediata instalação de ponto eletrônico biométrico, precedido de catracas e com câmeras apontadas ao aparelho. A todos os TAEs.

A reitoria da instituição, à época sob a gestão de Roselane Neckel, não recorreu. Por duas vezes. Só implantando o ponto biométrico no HU, às vésperas de o entregar à Ebserh. A decisão judicial veio, então:

a) implantação de sistema eletrônico de controle de assiduidade a todos os TAEs até 31 de dezembro de 2016.

Em caso de descumprimento, o gestor máximo poderia ser condenado por improbidade administrativa e perder seu cargo, além de incorrer em multa (mora) por descumprimento de decisão judicial.

E o ponto chega à UFSC

Diante desses elementos, a instituição encaminhou a licitação do ponto biométrico, argumentando atender às decisões judiciais. O novo reitor, Cancellier, eleito devido ao voto dos TAEs - pois perdeu nas outras duas categorias - havia se comprometido a não encaminhar um controle tão arcaico. Encaminhou, contudo, a licitação ainda em 2016, seu primeiro ano de gestão.

A reitoria conseguiu prorrogar a instalação dos aparelhos até 31 de dezembro de 2017. E ao fim do ano chegaram os equipamentos.

Nenhum debate, todavia, foi realizado. Nenhuma conversa. Nada. Somente um convite da Prodegesp ao Sintufsc para integrar uma comissão de implantação do ponto. Sem possibilidade de negociar nada, além do cronograma de quem bateria primeiro o ponto, como nas fábricas de um século atrás.

O sindicato se recusou a participar da comissão. Mas também não fez mais nada, além de uma reunião com os TAEs da Biblioteca Universitária, primeiro setor "contemplado" com o "presente de natal".

A categoria, então, se mobilizou e em assembléia passou a arquitetar sua estratégia: foi aprovada uma comissão, aberta a quem tivesse interesse. O objetivo da comissão seria o de debater com a reitoria da UFSC, agora em caráter pró-tempore para organizar novas eleições, diante da trágica perda, em outubro de 2017, do reitor empossado em maio de 2016. O foco desse debate não seria o ponto biométrico, mas as formas de controle de assiduidade. E assim, a categoria voltou ao seu debate principal: quem controla a jornada de trabalho.

Quem controla a jornada de trabalho

Essa disputa, vista por alguns como "a luta pelo tempo", é imanente à produção da vida humana e constitui a estrutura sobre a qual emerge a própria sociedade. O controle sobre os processos e o tempo de trabalho constituem a base da economia e das relações sociais. Mais do que o tempo, há aqui a imbricação entre tempo de trabalho, processo de trabalho e produto do trabalho. Aliados aos instrumentos de trabalho, esses elementos são determinantes da vida humana, pois dizem respeito à produção da própria vida.

Desse modo é inócuo debater acerca do caráter negativo ou positivo do controle sobre o processo de trabalho. Não existe possibilidade de descontrole sobre o processo, pois o próprio processo de trabalho somente existe com controle. A questão não é, portanto, haver ou não controle, mas quem controla. O mesmo debate se reflete no tempo de trabalho. O relevante da questão é quem controla.

Diante dessas considerações, é imprescindível destacar que compete aos trabalhadores não abolir o controle, mas tomar para si esse mesmo controle. E são essas as considerações que guiaram a proposta de controle social de assiduidade elaborada pelos TAES da UFSC entre 2012 e 2014.

Em uma resolução escrita e aprovada em assembleias da categoria, os trabalhadores da UFSC encaminharam sua proposta de jornada e controle de assiduidade isonômicos para todos os integrantes da carreira. E tiveram até a aprovação da Procuradoria Federal. A Resolução, à época superada pela desastrosa folha-ponto, que renovava as moedas de troca, permanece, no entanto, atual.

E foi da leitura dela que a categoria passou a organizar sua ofensiva não somente contra o ponto biométrico, mas em defesa dos TAES como os legítimos controladores de seu tempo de trabalho.

A ofensiva dos TAEs: o ponto por um fio

Após algumas assembleias e em meio a uma greve nacional, os TAEs da UFSC passaram a convidar a Administração Central a dialogar com a categoria. Em vão. Diante disso, a indignação passou a tomar força e muitas propostas de como lidar com a eminente instalação do ponto biométrico foram formuladas. O momento-chave foi quando a categoria soube que ao mesmo tempo que a Administração Central não comparecia às assembleias dos trabalhadores, faria um debate sobre o tema em um Fórum dos Diretores.

A categoria, então, se organizou para protestar e forçar sua participação. A organização rápida obrigou a reitoria a convidar os trabalhadores a participarem da discussão sobre o tema. E os TAEs ocuparam a sala e se fizeram ouvir.

Diante da apresentação da Prodegesp e da Reitoria de que a decisão judicial era definitiva (transitado em julgado) e impunha algo aparentemente irremediável, a comissão designada em assembleia propôs um grupo de trabalho para tratar do controle de assiduidade da categoria. O prazo era exíguo, mas os TAEs se comprometiam a encontrar uma saída que não fizesse a universidade voltar no tempo, nem que prendesse mais um reitor da instituição.

As reuniões com a Administração Central

A comissão se reuniu duas vezes com a Administração Central da UFSC. A primeira no dia seguinte à reunião do Fórum dos Diretores, dia 13 de dezembro. E a segunda dois dias depois, dia 15.

Na primeira reunião, os integrantes da comissão solicitaram esclarecimentos acerca dos processos judicial e de compra dos equipamentos de ponto biométrico. Dois dias depois, mais de 3 mil páginas lidas e muitos diálogos com muitos outros TAEs, e a Comissão descobriu elementos centrais e que permitiram cumprir com o acordo feito na reunião do Fórum dos Diretores: atender às demandas judiciais, sem colocar em risco o reitor pró-tempore, e atender às demandas da categoria por controlar sua própria jornada de trabalho, prestando contas à sociedade com transparência e democracia.

A proposta apresentada mostrou-se tão superior que a Administração Central solicitou uma terceira e definitiva reunião no último dia hábil para definir a questão, dia 19 de dezembro.

Controle Social vs Ponto Eletrônico: a decisão judicial e a demanda dos TAEs

Em estudo ao processo judicial, a comissão não somente tomou ciência de que o processo não se encontra em decisão definitiva (transitado em julgado), como também que a antecipação de tutela que impõe a adesão a um controle de assiduidade não indica o ponto biométrico.

Literalmente, a decisão judicial difere, e muito, do requerido pela ação civil pública. Foi decidido o seguinte:

"não cabe ao Poder Judiciário se imiscuir nos detalhes técnicos do sistema eletrônico de controle de ponto que será adotado, sob pena, aí sim, de afrontar a autonomia administrativa da ré. Com efeito, por mais evidente que seja a ineficiência do atual sistema de folha de ponto e a leniência da UFSC, não se pode presumir que o sistema que por ela será adotado não atenderá adequadamente o interesse público. Ademais, esse juízo não possui condições técnicas para avaliar qual a melhor e mais eficiente forma de sistema eletrônico, inclusive porque sequer há nos autos quaisquer informações a esse respeito. Poder-se-ia, assim, incorrer em atecnia".

O controle social proposto pelos TAEs há anos prevê a inserção online de informações referente ao horário de atendimento dos setores e a escala nominal dos TAEs de cada setor. Difere, portanto, do controle social previsto na portaria atual da folha-ponto e vai além do controle social do Decreto 1590/1995, pois prevê uma série de informações em rede e disponíveis à toda sociedade, com acesso e inserção eletrônica de informações. Constitui-se, portanto, enquanto um sistema eletrônico de frequência.

Mas não é somente judicialmente que o ponto biométrico não está dado. Tecnicamente tampouco a universidade é obrigada a instalá-lo. A modalidade licitatória de aquisição dos aparelhos desobriga a Administração de instalar e, dessa forma, arcar com seus custos. Nesse sentido, se a UFSC não instalar nenhum dos equipamentos, não precisa arcar com os cerca de 600 mil reais orçados para comprá-los, sem qualquer prejuízo à universidade.

Diante desse elementos, a comissão designada em assembleia percebeu que não há qualquer obrigação judicial ou técnica para o ponto biométrico. Nada impõe este aparelho à universidade. Diante desta compreensão, não resta dúvidas de que a decisão é eminentemente política. 

A partir desse entendimento, a comissão apresentou o controle social e por horas respondeu a questionamentos de membros da Prodegesp responsáveis pela instalação do ponto, do reitor, do chefe de gabinete e até da Procuradoria Federal. A superioridade do controle social é inegável. E mesmo os argumentos legais e técnicos são superados pela proposta dos TAEs.

Ficou claro, dessa forma, que não somente a proposta de controle social atende perfeitamente à decisão judicial, como também que esta proposta é muito mais adequada às demandas sociais de transparência, presentes na própria ação civil pública e em todas as propostas da categorias há décadas. Além disso, os custos do controle biométrico são elevados e em cascata, com custos fixos e variáveis, além de depreciação dos equipamentos e da perda de autonomia e transparência. Não resta dúvidas de que a opção pelo ponto biométrico é mais do que escolha política, como também uma alternativa retrógrada, sob todos os aspectos.

Mesmo os argumentos legalistas não são capazes de enfraquecer a proposta dos TAEs. Com o controle social todas as demandas judiciais são atendidas, em tempo hábil, a um custo muito baixo e com um democrático e transparente controle de assiduidade. Mas, além desses argumentos, o fato decisivo em favor do controle social é que este é demanda do próprio movimento dos trabalhadores. Com o controle social o controle da jornada trabalho passa à sociedade e aos TAEs, reduzindo o poder dos grupos e as moedas de troca e assédios. Além disso, o controle social é muito mais adequado à natureza do trabalho de uma categoria com mais de cem profissões, diversas jornadas de trabalho e uma vasta gama de atividades. Dessa forma, se o ponto biométrico fará a UFSC voltar no tempo em pelo menos um século, o controle social eleva a universidade à vanguarda.

Aos TAEs do Hospital Universitário e do país todo a instituição do controle social é também um passo à frente e uma opção de resistência ao ponto biométrico, além de representar uma avanço aos trabalhadores terceirizados que devemos lutar para voltarem a ser TAEs, e um avanço igualmente à sociedade, que já não pode mais atribuir à categoria a pecha pelas dificuldades sentidas na universidade em tempos de contingenciamento.

Nesta terça-feira os TAEs e a reitoria da UFSC deliberam definitivamente que universidade teremos: a arcaica fábrica fordista, com controle de assiduidade de informação secreta, ou a universidade autônoma que presta contas à sociedade e dá a seus trabalhadores o controle de sua jornada de trabalho, sem se prestar a favores, negociatas ou se expor a assédios.

Se antes os TAEs lutavam contra o ponto e em favor do controle social, hoje a categoria sabe que não precisa ter ponto biométrico e que o controle social tem respaldo até mesmo jurídico e técnico. Mas mais do que isso, este é o momento de os TAEs serem vanguarda na UFSC e no Brasil, e darem mais um passo na necessária democratização da universidade.

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