O histórico das 30h na UFSC: qual o verdadeiro custo das 30h?

31/08/2019

As 30h estão sob séria ameaça com as propostas de reforma na universidade. Se por um lado o Governo Federal ameaça com o programa Future-se, por outro, a Andifes prepara secretamente uma contraproposta. Mas como reivindicam os próprios TAEs? Uma breve síntese da inovadora proposta da UFSC aponta para um caminho democrático a seguir


Nos últimos anos temos observado surgir localmente na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o discurso de que as 30 horas são um custo a mais para o Estado. Esta campanha começou a ganhar tração, recentemente, com a força ideológica da posição negacionista para com a ciência e o discurso de ódio.

Infelizmente passamos a gastar uma energia cada vez maior na supressão de noções constituídas fora da realidade científica. Assim cada vez mais, nosso trabalho passa a ser não somente a proposição de novas políticas institucionais, mas também na defesa contra os golpes desferidos por posições criativas construídas a partir de, no melhor dos casos, o senso comum.

Em julho de 2018, publicamos nessa página uma recapitulação de nossa luta em torno da reorganização do trabalho que visava abrir verdadeiramente a instituição aos seus usuários e fornecer uma economia humana e de recursos à instituição. Os TAEs (técnico-administrativos em educação) da UFSC foram (de 2012 à 2015) a ponta de lança de uma série de embates e construções que visavam construir um arcabouço democratizante dentro de nossa instituição. Apesar das temporárias derrotas desses projetos, as trincheiras foram abertas e por este motivo, temos hoje ao menos 4 (quatro) resoluções construídas pelo movimento dos TAEs que estão engavetados pelas sucessivas administrações e suplantadas por projetos de cunho eleitoral.

Frente ao início dessa antiga "nova" campanha que visa nos tratar enquanto simples autômatos não pensantes, mais uma vez precisamos resgatar o histórico de formulação de uma dessas resoluções, qual seja, a resolução de reorganização administrativa conhecida como normativa das 30 horas para todos.

A construção da Isonomia através da Reorganização Administrativa

Durante a greve nacional de 2012 os TAEs da UFSC reuniram-se em comissões e produziram e aprovaram em assembleia um documento de 24 páginas conhecido como "Proposta para implantação da jornada de 30 horas semanais aos Servidores Técnico-Administrativos em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina". Esse documento foi utilizado como pedra angular da negociação de pautas locais junto à reitora então recém-eleita Roselane Neckel. A força e desejo de mudança do movimento resultou na formação do Grupo de trabalho institucional Reorganiza UFSC: Isonomia para todos, o qual findou seu trabalho com a entrega do Relatório Final, demonstrando como organizar o trabalho com 30h para todos, em junho de 2013.

Ao longo de todo esse processo, o que motivou os TAEs a construir essa resolução, não foi apenas pela melhoria de suas vidas e na qualidade de seu trabalho, mas sim a observação da necessidade de uma reorganização administrativa que combatesse o principal algoz da quebra de isonomia na instituição, ou seja:

"[..] a inexistência de isonomia entre as jornadas de trabalho na UFSC possibilita, ou, antes, incentiva que o horário e carga de trabalho sejam utilizados como moeda de troca dentro da universidade, constituindo-se como o principal instrumento [...]. de premiação e punição, além da cooptação e coação, dos TAEs por suas chefias.

Percebemos aqui como a jornada de trabalho dos TAEs da UFSC se articula enquanto causa e consequência de diversos problemas não somente administrativos como, principalmente, políticos e institucionais nesta universidade. [...]"(Comissão 30 Horas, 2012, p.15).

Não obstante a essa observação inicial, o Grupo de Trabalho Reorganiza UFSC: Isonomia para todos, o qual se debruçou por 9 meses nos processos e políticas institucionais, concluiu em seu trabalho

[...] que a atual divisão sócio-técnica do trabalho na UFSC demanda urgente reorganização, mediante o estabelecimento de critérios objetivos e transparentes de distribuição, alocação, movimentação e afastamento de seu corpo técnico, de modo a assegurar isonomia em jornada, intensidade, condição e ocorrências funcionais entre seus TAEs (REORGANIZA UFSC: ISONOMIA PARA TODOS, 2013, p.24).

Logo, o "estabelecimento de critérios objetivos e transparentes" não poderia ser descolado de uma visão em que o trabalho é construído de maneira democrática, sendo assim, seguindo esses preceitos, o referido GT apoiou sua metodologia de trabalho sob os ditames da democracia, transparência, interesse público, diálogo, isonomia e acessibilidade. E, portanto, em

[...] decorrência desses princípios, o Grupo de Trabalho buscou planejar, estruturar e desempenhar suas atividades em diálogo com a comunidade universitária, dando ênfase à democracia das propostas construídas coletivamente, e tendo em vista sempre o interesse público e a isonomia entre os usuários e entre os [...] (TAEs) (REORGANIZA UFSC: ISONOMIA PARA TODOS, 2013, p.41-42).

A importância de delinear, mesmo que sejam brevemente, as conclusões e a metodologia de trabalho do grupo que construiu uma pesquisa científica sobre a organização do trabalho na instituição e sua possibilidade de reorganização, é que uma reorganização do trabalho democratizante precisa necessariamente influir em todos os processos que estão contaminados pelo neopatrimonialismo que se apossa do estado moderno e corrompe os processos de trabalho para além do que o senso comum pode observar.

Demonstra-se que uma luta contra as proposições democratizantes vistas anteriormente é uma luta contra o caráter da instituição e de seus objetivos, quais sejam: "A UFSC afirma-se, cada vez mais, como uma instituição social de ensino superior, completamente comprometida com a construção de uma sociedade justa e democrática".

Dessa forma, é importante apontar que o GT Reorganiza ao entregar seu relatório final em 31 de maio de 2013, fundamentou uma série de negociações cujos acordos não foram cumpridos pela então reitora Roselane Neckel, o que acabou por levar a UFSC para uma miríade de conflitos que culminaram em sua primeira greve local em 2014, momento no qual ocorreu pela primeira vez na história da instituição, o corte de ponto/salário dos trabalhadores[1].

Durante o auge da greve local, a administração central promoveu a flexibilização da jornada baseada em relatórios que deveriam ser elaborados por cada setor, e que consequentemente seriam analisados caso a caso e passariam por constantes renovações avaliativas feitas pela reitoria. O visível critério político da escolha de quais setores seria permitido às 30 horas é passível de observação pela movimentação e celeridade que esses relatórios foram aceitos durante a greve de 2014.

Sempre que surgiram necessidades de arrebanhar votos a jornada de trabalho se fortaleceu enquanto moeda de troca. Assim a prática e propositura da formalização das 30 horas setoriais sem reorganização administrativa tomou forma na reitoria de Roselane Neckel e passou a ter força nas eleições e enfrentamentos subsequentes.

O movimento dos trabalhadores rejeitou as 30 horas para alguns durante a greve de 2014 e propôs que fosse implementada uma democratizante reorganização administrativa através da propositura da resolução das 30 horas por meio do conselho universitário, instância permanente máxima da instituição.

O desgaste da então reitora, gerado pela greve local de 2014, fez com que praticamente todos os demais candidatos a reitoria, muitos deles contrários às 30h, passassem a incorporar a proposta, mas desde que limitadas à discricionariedade da reitoria.

Dentre os candidatos da eleição para o mandato de 2016-2020, Cancellier, até então Diretor do Centro de Ciências Jurídicas (CCJ) contrário às 30h, foi eleito com a proposta de implementar a mesma proposta construída por Roselane Neckel e negada aos TAEs em 2014.

A mudança de cenário em 2019, aliada à perda de força da demanda de 30h com a aceitação de grande parte do movimento dos TAEs da UFSC à proposta de Roselane incorporada por Cancellier e seguida por Ubaldo, promove um movimento contrário agora. Nesse sentido não poderíamos deixar de apontar que candidatos que outrora eram favoráveis a uma jornada ampliada associada a uma flexibilização da jornada agora se colocam contrários através da alegação de uma suposta geração de custos pela sua adoção.

Cabe aos trabalhadores através de suas expressões políticas fazerem avançar os institutos democráticos que garantem o progresso e servem de trincheira para resistir aos retrocessos. Defendemos assim a retomada das conquistas políticas e teóricas do movimento dos TAEs da UFSC por uma jornada de 30 horas realizada através de uma reorganização administrativa aprovada pelo conselho máximo de nossa instituição, pois não basta fazer um discurso em defesa da autonomia universitária, da democracia e uso racional de recursos se os desvencilhamos da luta prática cotidiana da instituição através da construção de proposições que carreguem a teoria e a transformem em realidade. 30h para todos com ampliação do atendimento e controle social é, portanto, uma defesa da própria universidade contra os projetos autoritários que a rondam.


[1] Cabendo apontar que não houve nem mesmo amparo judicial prévio para a execução do corte salarial.

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