Qual é o verdadeiro custo das 30 horas?

28/08/2019

Projeto de privatização das universidades inicia com cortes, mas avança com propostas de redução de custos que na verdade são severos ataques


Vivemos tempos estranhos em que é necessário defender descobertas científicas que outrora pareciam consolidadas, como o formato esférico de nosso planeta, a conquista humana da imunização por vacinas e o aquecimento da Terra. As consequências da postura negacionista vão, entretanto, muito além do mero desconhecimento a respeito do mundo, podendo custar muito caro à sociedade, como o retorno de doenças antes erradicadas ou a perda acelerada de nossa biodiversidade.

A despeito das motivações de quem crê nesses absurdos, não somos ingênuos quanto aos interesses de quem dissemina tais ideias. Na universidade, tais crenças não costumam se propagar com a mesma força com que se espraiam fora do ambiente acadêmico. A universidade, no entanto, também possui seus negacionismos próprios.

Por aqui, as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) se encontram diante de severos ataques à sua autonomia. Tais ofensivas têm interesse em repassar o vasto patrimônio material e imaterial das IFES a organizações privadas. Para isso, o orçamento das IFES tem sido reduzido até o ponto em que, aparentemente, pode não haver saída, a não ser aderir ao programa Future-se.

Nessa esteira, os cortes orçamentários têm sido encarados das formas mais variadas e, a despeito dos que lutam pela universidade pública, há variados sujeitos que veem oportunidades para ganhos em meios a este caos. Dentre eles, estão aqueles que percebem este momento como uma oportunidade para ganhos por um lado, e para ataques a outras categorias, por outro lado. As justificativas para isso são, portanto, terreno fértil para mistificações.

Dentre essas mistificações, recentemente tem circulado pelos corredores, e-mails e aplicativos de mensagem entendimentos de que a flexibilização da jornada dos técnicos administrativos em Educação (TAEs) significariam um custo a mais para as IFES e passaram a sugerir formas de economizar os parcos recursos mediante a redução salarial dos TAEs. Mas qual o real custo das 30h e das 40h?

Qual o custo das 30h?

No texto de maior repercussão, é apresentado um cálculo para "economizar" cerca de 21 milhões do orçamento da UFSC. Como? Impedindo a flexibilização da jornada de trabalho dos TAEs.

A conclusão a que chega aquele estudo é a de que os TAEs com jornada flexibilizada mediante uma portaria de um ano estariam trabalhando 25% menos e, portanto, recebendo indevidamente, 25% a mais de salário.

Não entraremos no mérito de que a mais de uma centena de cargos dos TAEs e suas diversas jornadas de trabalho não produzem mais riqueza quanto mais tempo trabalham, mas, ao contrário, demonstraremos que a jornada flexibilizada significa a ampliação da produção dos TAEs.

Argumentos defendem o corte de salário

O contexto mais difundido atualmente desta já antiga campanha contra as 30h apresenta um déficit orçamentário no país e sugere a economia a partir do cancelamento da flexibilização da jornada de trabalho dos TAEs. Nesse sentido, o frágil argumento contrário à jornada de 30h, aponta que se os salários dos TAEs com jornada flexibilizada fossem pagos proporcionalmente ao tempo de trabalho, a UFSC economizaria. Com isso, é arguido não que os TAEs devessem trabalhar 40h para produzirem mais, mas, em economizar a partir do pagamento proporcional. Não é um ataque às 30h, portanto, mas uma defesa do corte de salário como medida econômica.

A economia proposta, entretanto, não auxilia em nada as IFES, pois os cortes orçamentários que essas instituições sofrem são sobre os orçamentos de custeio e capital, que não incidem no pagamento de salários. Nesses orçamentos estão custos como energia elétrica, água, equipamentos, serviços terceirizados como vigilância e limpeza etc. Nesse sentido, mostraremos adiante que a adoção de uma jornada de 30 horas com ampliação do atendimento significa economia justamente nesses quesitos, ao mesmo tempo em que amplia a capacidade produtiva das IFES.

Qual o custo das 40h?

As 40h representam uma jornada de trabalho que pressupõe uma organização laboral aos moldes "horário comercial", ou seja, as variáveis do horário de atendimento são das 8h às 12h e das 14h às 18h.

A universidade, todavia, tem parte substancial de suas atividades desenvolvidas no período noturno, justamente, para poder atender a comunidade que trabalha no referido horário comercial. Aulas à noite não são caprichos, mas uma necessidade para atender aos trabalhadores e aos interesses por formação de força de trabalho de empregadores.

Estudantes do período noturno, no entanto, pouco têm acesso a coordenadorias de curso, pró-reitorias, departamentos etc. E estes locais, quando atendem à noite, pouco têm acesso aos demais setores se estes também não funcionarem por maior tempo.

A demanda por 30h tem como contrapartida a extensão do horário de atendimento na universidade para, no mínimo 12h ininterruptas, pois não há critérios para ampliação do horário de atendimento em jornadas de 40h. E devemos lembrar que o horário de trabalho tem de atender ao horário de funcionamento da instituição, que é, no mínimo, das 7h às 22h, mas que, de fato, é 24h por dia.

Flexibilização da jornada economiza orçamento de custeio e capital

É relevante apontar que setores com jornada flexibilizada atendem por mais tempo a comunidade universitária e, em contrapartida, onde antes haviam duas mesas, duas cadeiras, dois computadores e uma área maior (portanto, com necessidade de maiores construções, limpeza, manutenção, vigilância e maior dimensionamento de condicionadores de ar) há a metade dessa necessidade.

Vejamos, considerando que somente em energia elétrica a UFSC gasta mais de 18 milhões de reais anualmente, que computadores ficam defasados em 18 meses, que mesas e cadeiras têm vida útil entre 5 e 10 anos, que serviços de limpeza e manutenção predial são debitados do orçamento de custeio e capital, qual medida economizaria mais para a universidade? Distribuir todos para trabalharem no mesmo horário, ou dispor os trabalhadores em turnos de revezamento para atendimento contínuo?

E, mais importante, por que ninguém até o momento sugeriu que os docentes parassem de fazer pesquisa e extensão e ministrassem 40h de aulas? Sabemos a resposta e, obviamente, somos contra tal medida autoritária, pois entendemos que a universidade é muito mais que uma "escola de terceiro grau" e que a comunidade universitária há muito tempo tem necessidade de atendimento em todos os períodos, pois não é somente quem tem aulas pela manhã e tarde que pode ter acesso aos setores ou que pode fazer pesquisa e extensão.

Diante dos sérios ataques a existência da universidade pública, proposições equivocadas a respeito da jornada de trabalho dos TAEs não colaboram em nada. Dessa forma procuramos contribuir com o resgate da concepção do GT Reorganiza UFSC, em defesa do aumento da produtividade, da economia de recursos de capital e custeio e em respeito à autonomia das IFES, além de uma organização do trabalho democrática, isonômica e com controle social.

Temos convicção de que a economia financeira da flexibilização da jornada de trabalho, que atinge o orçamento que recebe atualmente o contingenciamento, é bastante mais adequada não somente a tempos de escassez de recursos, mas a uma universidade que se propõe aberta à comunidade. Em todos os sentidos.

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